quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Parte 2 Chile: Vulcão vinho, empanadas, condores, escaladas e vulcão

PARTE2

 INICIANDO A SUBIDA

Dia 8 6 fev  570m- 3130 6 h da manhã, último banho com água. Mastigamos alguma coisa, e partimos para a estação de Metrô, com mochilas pesando 30 kg, lotada de equipamentos e comida. Botas duplas e piolets presos no lado de fora da mochila. Sendo um sábado em Santiago, àquela hora da manhã estaria muito frio para o metrô estar cheio, e mesmo que estivesse, as pessoas não estariam nem um pouco interessadas nas duas figuras com mochilas enormes e material de montanha, utilizando o metro numa manhã de sábado de verão. Se estivessem acordadas, estariam elas ocupadas em seus pensamentos lamentando porque acordaram tão cedo. Ainda estava escuro! E frio!

 Por volta das 7h30, descemos na estação a qual pegaríamos o 1º ônibus que iria para a Região do Cajon Del Maipo. Quase não conseguimos passagem. Creio que o Cajon del Maipo é um bom destino de verão para grande parte dos Santiaguinos, com vários locais para banho para amenizar o calor, deixando as estancias e campings lotadas de famílias e adolescentes. Famílias vão de carro. Adolescentes de ônibus. E fazendo muito barulho! André e eu estávamos naquele inferno austral de verão com nossas mochilas gigantes, em trajes totalmente diferentes dos demais, com objetivo de entrar no ônibus, nos livrarmos um pouco das mochilas e conseguir tirar um cochilo até chegar no nosso destino.

Embarcamos, e como já havíamos feito parte do trajeto dias antes de carro, aproveitamos para dormir um pouco no ônibus, nos preparando para a subida que seria grande. Chegamos o povoado de Baños Morales a 1800m de altitude, por volta das 11h30. Comemos empanadas fritas, ligamos o GPS e saímos a caminhar em direção ao início da trilha para o Volcán San José. De Baños Morales até o lugar conhecido como El cabrerio (início da trilha) são cerca de 7 km pela estrada de terra que dá acesso ao outro vilarejo - Baños Colina.

     André na saída do vilarejo de Baños Morales

Eu no mesmo lugar

    Então, fomos nós andando pela estrada de terra, suplicando para que alguém nos desse carona e nos poupasse de caminhar tanto só para acessar o início da trilha. 30 min caminhando no sol e tomando poeira na cara vindo de máquinas pesadas que trabalham na Mineradora da região, conseguimos uma carona na caçamba de uma caminhonete que nos deixou a 1km a frente da entrada da trilha. Tentei avisar para o motorista parar, mas ele não me ouviu e quando ouviu já era tarde. Começamos a voltar, erramos de novo a entrada (nos habituando com GPS que estávamos aprendendo a ler e com espírito de autosuficiência e sifudência de não perguntar nada a ninguém), descemos por uma rota que não tinha nada a ver. Acabou o orgulho e aí perguntamos de um pessoal que tomava banho num riacho onde ficava el cabrerío e aí sim entramos na trilha.

Eu na boléia(volcán San José ao fundo)

  Contornamos o Morro Negro, por um caminho na moraina utilizado para levar os rebanhos  de bodes e cabras para pastar no Valle de La Engorda, onde chegamos quase  às 15h. Paramos para o  para almoço avistando o grande Volcan San José, com campos de neve no alto, e procuramos a quebrada sur para acesso a pesada subida ao Refúgio Plantat, a 3130 m de altitude.

Trajeto desde valle de la engorda
rajeto desde Valle de la engorda (2570m) até o cume (5856m) fonte: Andeshandbook

Começamos a andar em terreno plano, passando alguns riachos e nos aproximando da trilha de subida. A quebrada Sur, com subida para o refúgio, estava bem marcada com trechos empinados revezando terra com pedras soltas e subida que não acabava mais. Por volta das 19h, com bastante luz ainda, chegamos ao Refúgio. Ficamos felizes, por não ter que armar barraca, pois havia vaga para dormir nas camas do abrigo (beliches feitos com arames servindo de estrado) e havia água abundante em frente ao refúgio.

 Lá encontramos uma brasileira que estava com uma turma, e que iriam descer na manhã seguinte, pois seu objetivo era ir só ao refúgio. Conhecemos um senhor que estava já alguns dias (esperando uma janela de tempo bom para fazer cume e que nesse dia havia desistido, depois de alguns intentos) e uma dupla de chilenos que haviam subido no mesmo dia, e estavam com o mesmo plano que nós de fazer cume. Logo, não estaríamos tão sozinhos no dia seguinte. Batemos algum papo, jantamos batatas com arroz e atum, deitamos nas camas, empacotamo-nos nos sacos de dormir e desmaiamos.

 

vista da quebrada sur desde Valle de la engorda

            vista desde a quebrada sur para valle de la engorda

André entrando na quebrada sur

subindo e subindo

Dia 9  07 fev. 3130m.- 4200m Dormimos confortavelmente no refúgio. Os sacos de dormir e as roupas que levamos aguentaram bem o frio, tendo como resultado uma manhã preguiçosa em que levantamos já por volta das 9h.  O dia seria longo, teríamos que sair do abrigo a 3130m de altitude e chegar no acampamento 01 a 4200m. Porém, já conhecendo nosso ritmo de caminhada e sabendo que nessa época teríamos sol até cerca das 22h, optamos por descansar um pouco mais e sair mais tarde.


vista da Frente do Refúgio Plantat

Café da manhã tomado, comida de trilha pronta, mochilas prontas, partimos do nosso confortável abrigo para ir em busca da 1ª noite ao relento no coração dos Andes Centrais. A partir daí, já utilizaríamos as Botas Duplas pois haveria trechos com neve, deixando nossas botas de aproximação no abrigo, e alguma comida para utilizarmos na volta dali a 2 dias. Os chilenos haviam saído um pouco mais cedo, e nós seguíamos sozinhos pelo caminho ora batido, ora seguindo a rota do no GPS.

Depois de aproximadamente 1h30 caminhando, chegamos numa subida exposta ao vento, cheio de lacas soltas chamada de Las Lajas. Tomando cuidado para não jogarmos pedras soltas um no outro, terminamos a subida e tomamos um fôlego para continuarmos. A partir desse ponto, caminha-se em direção a um vale, em que a trilha passa bem em frente a um enorme glaciar e depois segue subindo o vale para ir em direção ao acampamento. Paramos antes da subida para almoçar e avistamos já bem acima, os chilenos chegando no alto, bem acima do vale.



       trecho das las lajas


Glaciar que temos que contornar

Após a refeição, iniciamos a subida, e após algum tempo, reparamos que o trajeto ficou um pouco mais íngreme do que esperávamos, com trechos de escalaminhada em neve, sendo que em dado momento já estávamos usando os piolets para equilibrar.  

“- O relato do site não dizia nada disso, ou eu não entendo nada de espanhol” pensei. Estávamos em uma subida empinada de neve com uma inclinação nada amigável e que findava no fim do vale o qual minutos antes estávamos confortavelmente almoçando. O medo começou a tomar conta de nós. No meio da subida, cansados e com bastante cagaço, paramos para tomar água e “vuuuuuuuuuuuuuuuush” nossa garrafa de 2 litros foi escorregando neve abaixo. Descer, nós não iríamos para buscá-la. Só nos restava subir. Se não dava para ir sem medo, foi com medo mesmo de terminar no fundo do vale, escorregando ao encontro de nossa garrafa. Terminamos a subida cansados, exaustos, putos e com muito vento na cabeça. (Soube pelos chilenos já no acampamento 1, que havia uma trilha que desviava dessa subida). Olhamos o GPS, e ainda faltavam cerca de 200m de desnível na neve...


a subida que perdemos nossa garrafa


De pouco em pouco, fomos nos arrastando, mais parando do que andando e por volta das 18h30 chegamos no acampamento 1. André já estava sofrendo com dores de cabeça e náusea. Arrumamos rápido nossa barraca, e tratamos de fazer um chá com folhas de coca (que eu tinha ainda da minha última viagem da Bolívia)  e dei um comprimido de Dexametasona(que minha mãe utilizava para aliviar os efeitos da quimioterapia) para o André e minutos depois o menino já estava de volta a vida.. Tratamos de procurar água antes que a temperatura caísse e ela congelasse (nesse acampamento ainda há como encontrar água em estado líquido em alguns pontos embaixo das pedras), fizemos nossa janta (macarrão com linguiça e ovo) , trocamos umas palavras com os chilenos e fomos dormir mais cedo do que esperávamos.

 

acampamento 1, biscoitos surtidos


        Chá para aliviar as náuseas


Dia 10. 8 fev 4200m – 4800m Apesar de estarmos acampados, a noite foi bem tranquila. O lugar do acampamento era abrigado do vento, além de ter várias pircas (montes de pedras agrupados que cortam os ventos) para montar as barracas. Repetindo o esquema do dia anterior, os chilenos saíram mais cedo que nós. Tomamos café, desmontamos acampamento e arrumamos as mochilas, tudo isso num esforço gigantesco para lidar com a altitude que já começava a cobrar seu pedágio por estarmos naquele lugar. Iniciamos a caminhada devagar, com todo o peso da mochila (por mais que comêssemos as provisões, a mochila parecia que aumentava de peso) e depois de cerca de 1h encontramos os chilenos descansando e calçando seus crampons  e se armando com os piolets para atravessar um vale e iniciar uma longa subida. Perguntei a eles se era necessário mesmo, e ao que me responderam positivamente que sim, pois com o sol já no alto, e a neve antes endurecida, começava a derreter e ficar escorregadia.  Nuestros amigos então partiram na frente, em um ritmo de marcha bem mais forte que o nosso e nós paramos para descansar e aprender a colocar os benditos dos nossos crampons.  


Saída do Acampamento 1


andré mostrando como se coloca o crampon


Caminhada no neve endurecida

Depois de uma surra para ajustar os equipamentos, iniciamos a caminhada pelo vale, minutos depois começamos a ouvir pedras (pequenas, mas pedras) deslizando vale adentro. Foi então que avistamos uma pedra gigante equilibrada em um bloco de neve. Olhamos o sol a pino, então imaginamos o que aconteceria se houvesse um bloco desse acima de nós e a neve derretesse, e o bloco deslizasse vale abaixo. Apertamos o passo o quanto deu, cruzamos o vale e chegamos a uma subida num campo de penitentes.  Essas formações de neve endurecida e pontiagudas, são um verdadeiro inferno para transpor: você tem que achar a melhor rota para desviar desses obstáculos que podem medir sua altura, subindo com crampon e piolet, carregando sua  mochila pesando uns 25kg , com respiração ofegante no ar rarefeito.. Até então eu só tinha lido a respeito. E espero não encontrar um desses de novo.


tome subida


pedra equilibrada.. deveria haver várias acimas de nós


campo de penitentes(são essas formações que vistas de longe, 
parecem uma multidão de joelhos orando)

 Pausa para o almoço, faltavam cerca de 250 m de desnível para o acampamento 2. A partir daí era só subida em terreno de rochas soltas (o que arrebentava o psicológico pois você sobe um passo e volta três). Voltamos a subir e chegamos a um acampamento intermediário a 4620m, mais abrigado do vento e com água no mesmo esquema do acampamento 1. A desvantagem desse lugar é que teríamos que sair mais cedo para atacar o cume. Sendo mais desgastante se quiséssemos fazer cume, e no mesmo dia, descer quase 4000m de desnível da montanha até chegar à estrada e ainda tomar uma cerveja em Santiago (sim esse era o plano inicial!). Tocamos em frente, e por volta das 19h chegamos ao acampamento 2 a 4800m de altitude.
O local era exuberante e desolador. Exuberante pela paisagem e a imensidão da Cordilheira dos Andes a nossa frente. Acostumados à planície amazônica, vendo a imensidão de rios e saber que o maior deles nascia em algum ponto um pouco mais ao norte, naquele mar sem fim de montanhas, deixava-nos estupefatos. Ou talvez era só mal de altitude mesmo. Desolador, porque estávamos a 4800m de altitude, com o vento arregaçando nossas cabeças e nossa barraca (apesar de termos montado em uma das pircas existentes) e teríamos que derreter neve para ter água. Mais uma coisa que teríamos que aprender: o volume de água derretida sempre vai ser menor que o volume de neve coletada. Ou seja, haja neve e gás para conseguirmos uma quantidade significativa de água! E precisaríamos de muita, já que na madrugada faríamos ataque ao cume e planejávamos levar cerca de 4 litros para cada um.
Deixamos as garrafas de água abastecidas, jantamos, tomamos agua até explodir e deixamos as mochilas de ataque preparadas, material de café da manhã pronto, despertador para as 4h da manhã e tentamos ir dormir cedo. Mas a ansiedade era maior e o sono demorou a chegar.



A horrível subida nas pedras soltas até o Acampamento 2


O cume visto Acampamento 2




não parece, mas tem neve sendo derretida


continua...



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