quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Parte 1 Chile: vinho, Cóndores,empanadas, escaladas e vulcão


Só não vai morrer Caralho!

Estas palavras, ditas a 5400 m de altitude, em uma montanha nos Andes Centrais, não parecem ter uma ênfase motivadora. Mas era justamente o que elas eram! No momento em que eu já me encontrava exausto e a ponto de desistir da empreitada de alcançar os 5856m do Volcán San José, tal frase foi proferida por mim ao André, que já estava resignado a alcançar o cume custe o que custasse. Afinal, ele não comeu “rap10” com geleia de morango congelada e tomou café com gosto de lenço umedecido naquela madrugada, para ter uma “foto de quase cume”. Seguiria até o fim, nem que para isso ele sozinho fosse, com água congelada e com o “café morno e com gosto de leite de rosas”.

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Dois aspirantes a montanhistas amazonenses, saindo de Manaus para ir escalar um Vulcão no meio dos Andes Centrais, tendo experiência quase nula em alta montanha, parece sinopse de filme de Sessão da Tarde, tal qual o saudosista filme “Jamaica Abaixo de Zero”. Porém saindo da ficção e vindo para a realidade, o fato é que de uns 10 anos para cá, amazonenses e residentes no Amazonas já embarcaram no espírito do Montanhismo, criando muros de escalada, abrindo vias no estado Amazonas e em Roraima, e fazendo  ascensões em alta montanha (Cordón del Plata, Cerro Tronador, Huayna Potosi, Vulcão Láscar e Vulcão Sairecabur). Sem contar as travessias e viagens de escaladas realizadas no Brasil e no exterior, iniciando assim uma pequena cultura do montanhismo no Amazonas, que ainda engatinha, apesar de possuir o ponto culminante do Brasil. 

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PLANEANDO

Já havia ido a região do Volcán San José, no final de 2015 com minha mãe e irmã, e havíamos feito a trilha até o glaciar El Morado. Uma caminhada tranquila e bem bonita, que está num dos clássicos da região. As hospedagens se concentram no “Pueblo” de Baños Morales, a cerca de 80 km de Santiago, na belíssima Região do Cajón del Maipo, e o povoado fica bem em frente ao Volcán San José que se impõe na paisagem. Aquela imagem da imensa montanha branca permeou minha cabeça, e em meados de fevereiro de 2016 chamei dois amigos para uma viagem ao Chile, para irmos escalar no Vale de Los Cóndores e se possível fazer uma alta montanha. Cabe destacar que minha experiência em alta montanha se baseava unicamente no trekking Salkantay e ascensão ao Huayna Potosí, ambos em 2014. E só. Desde o cume do Huayna, eu havia prometido que nunca mais faria Alta Montanha, devido as incontáveis dores de cabeça, ao enorme desgaste físico mental, beber quantidade camelidais de água, somado a tirar toda roupa de frio para ir ao banheiro, dores de cabeça, noites mal dormidas e dores de cabeça. Mas como dizem que memória de montanhista é uma das mais falhas, depois de visitar o Cajon Del Maipo com a família, toda a lembrança de sofrimento esvaiu-se, e o desejo de chegar ao cume do Volcán San José martelou na minha cabeça durante alguns meses, até planejar a viagem.



                            viagem com a família em nov 2015 com o vulcão San José ao fundo

O planejamento consistiu em juntar companhia para viagem, acertar as datas e ajudar o André a comprar a vestimenta para alta montanha, (se deixasse ele ia de calça jeans. Ele foi até certo ponto), fazendo eu me sentir o “mais, menos experiente”. Logo, meu dever era ajudá-lo a comprar os trajes (o mais barato possível) que consistiu em uma jaqueta de fleece, meias, roupas segunda pele, luvas e calças de snowboard (conseguidas na promoção e  usadas uma vez, estão no armário até hoje esperando iniciarmos a prática do esporte) compradas na Decathlon, para caminhar na neve, sem o risco de  ficarmos molhados e congelarmos

Acertadas as datas,  tendo 22 dias de viagem,  juntamos com outro amigo, o Bernardo,  e iniciaríamos a viagem no dia 30 de janeiro de 2016,  com 1 dia escalando em rocha na região de Cajon del Maipo ( no setor conhecido como Torrecillas[1]), depois teríamos 4 dias de escalada em rocha no Vale de los Condores, voltaríamos para Santiago, e daí o Bernardo se desmembrava da equipe e iríamos planejar a ascensão do Volcán San José.


VIAJANDO EN CHILE

30 de janeiro 1º dia: Bernardo chega primeiro, algumas horas mais tarde, chego eu. André só no dia seguinte. A ideia era alugar um carro, ir pegar André no aeroporto no dia seguinte e partir para o Cajon del Maipo. Alojados em um hostel, e sem mais pendencias para o 1º dia, Bernardo e eu fomos beber na região de Bellavista. Muitas cervejas e um Terremoto[2] depois, eu estava completamente bêbado, porém feliz, e fui infernizar a vida dos hospedes do hostel em que estávamos alojados, batendo na porta para entrar como se minha vida dependesse disso, sendo que havia uma campainha. Acabei dormindo na recepção.

31 jan 2º  dia. Dia seguinte. Ressaca. Alugamos carro, pegamos André no Aeroporto, tentamos escalar em Torrecillas. Trilha pesada. Chegamos na base da via. André se contorcendo com cãibras. Escalamos a via errada, dura demais! Escalamos pouco, voltamos. Mais cãibra para André e acampamos na base da Piedra Romel, tomamos banho as margens do rio, comemos e dormimos.

                                                                               Setor Torrecillas visto da trilha


                                 Bernardo na p1 de alguma via que não me lembro!


1, 2, 3 e 4 fev Saímos do Cajón del Maipo em direção à região de Talca (400km de Santiago) para escalar no Vale de los Condores. Muita escalada, vinho e batata assada de almoço, café e janta. Depois de quatro dias de escalada em rocha (apesar do 1º dia com neve ,chuva e ventos) voltamos para Santiago, onde nos despedimos de Bernardo. Lugar incrível que merece um retorno.


                     Bernardo no acampamento em Vale de los Condores, a beira da parede



                                            André em uma das cachoeiras próximo a um dos Setores


   Olha esse negativo... acho que aí que Adam Ondra abriu a via mais difícil do Chile


5 fev 7º dia. Dia de descanso e preparação para arrumar os equipos restantes para ir para o Volcán San José no dia seguinte. Já saímos de Manaus com algumas instruções sobre a ascensão retiradas do site Andeshandbook, e com algumas dicas dadas por um chileno que conheci no Rio de janeiro enquanto escalava no Pão de Açúcar. Ele havia acabado de fazer o San José e havia falado para tentarmos primeiro o Cerro “El Plomo - 5424 m” nos arredores de Santiago, e depois o San José - 5856m, pois este último era um pouco mais duro e mais alto. Por não ter dinheiro suficiente para alugar de equipos para fazer duas montanhas, deveríamos escolher apenas uma. Por não termos bom faro para escolha, escolhemos a mais alta e mais dura!  Seriam 4 dias de expedição e compraríamos comidas para os dias e o gás para fogareiros no Mercado. Ainda restava ir ao local para o aluguel dos equipamentos técnicos para ascensão, como barraca 4 estações, sacos de dormir para -10º, piolets, botas duplas, crampons, pois comprar tudo isso estava bem longe dos pensamentos.

Para falar a verdade, nós não estávamos pensando muito. Ao chegar na loja de aluguel de equipamentos e após conversar com o atendente, ele passou mais algumas dicas sobre a montanha e já estávamos quase decidindo a não usar os crampons convencionais e comprar uns descartáveis. Pelas informações coletadas, haveria apenas uma travessia de um campo de neve que não era muito grande, e seria somente no último dia, o que nos faria carregar um peso extra para usar por pouco tempo. Por sorte, chegou um guia que havia acabado de descer o vulcão Tupungato. Tendo andado por aqueles arredores recentemente, nos disse que havia muita neve ainda naquela região e seria prudente levar os crampons convencionais e parar com a estapafúrdia ideia (e mão de vaquice) de usar os descartáveis. Na verdade, se ele soubesse nosso grau de experiência, teria falado que o prudente era sairmos dali, encher a cara e comer empanadas.

Pois bem, trouxeram nossos equipos que estavam listados (barraca 4 estações, sacos de dormir para -10º C, piolets, botas duplas, crampons e mitones) o aluguel de tudo para 4 dias, daria cerca de 100 reais por por dia para cada.  Ainda tentaram nos convencer a levar bastões de caminhada, mas já estávamos no limite dos gastos (e no auge da mão de vaquice).  Depois de muito relutar chegamos a seguinte decisão:

- F$#$#% - se os bastões! Carregamos nas costas mesmo!

 Essa decisão certamente foi muito equivocada, concordaríamos depois da viagem.

Apesar de acharmos caro o aluguel, estava tudo bem porque seriam dias na montanha com bastante aventura, reflexão e todo aquele papo o qual tentamos justificar para nós mesmos o alto custo dessas aventuras. Falamos para o atendente que era um assalto pagaríamos, porém haveria outro problema. Deveríamos deixar uma caução equivalente a R$ 3000,00 para os equipamentos, em caso de danos ou extravio a estes. O pior é que era em dinheiro, e não em cartão (o que não adiantaria muito, pois a viagem já foi no limite do cartão). Deveríamos aí sim, desistir de tudo e partir para encher bastante a cara e comer bastante empanadas. Mas aí veio a ideia e que logo se transformou em uma frase, e que depois foi vista como má ideia:

 

- “Deixamos 500 reais e nossos passaportes como garantia”.

 

 O atendente pestanejou, falou com seu gerente e por fim aceitou nossa proposta. Dias depois, já na montanha pensamo: se nós morrêssemos eles não reaveriam o valor dos equipos, teriam somente 500 reais e nossos passaportes brasileiros com fotos estranhas como lembrança.

Colocamos os equipamentos nas mochilas cargueiras e saímos da loja, andando pelo centro de Santiago num calor de 30º C - já imaginando o sofrimento que seria carregar isso montanha acima - e fomos em direção ao mercado comprar os mantimentos. Já no fim do dia, lembrei que não tinha óculos escuros. E acabamos indo comprar óculos quase igual ao original nos ambulantes perto da Estação Central de Santiago. Fizemos nossa última refeição digna regada a bastante cerveja nos arredores, e partimos rumo ao Hostel para arrumar a mochila e partir cedo na madrugada seguinte.




Continua....

[1] Lugar de escalada Tradicional Fixa, situado na região do Cajon del Maipo.

 

[2] *terremoto: bebida típica chilena feita com fernet, vinho branco, sorvete e açúcar. Recomendo fortemente que não experimentem, se bêbados já estiverem. Ou sim!

 

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