Só
não vai morrer Caralho!
Estas palavras, ditas a
5400 m de altitude, em uma montanha nos Andes Centrais, não parecem ter uma
ênfase motivadora. Mas era justamente o que elas eram! No momento em que eu já
me encontrava exausto e a ponto de desistir da empreitada de alcançar os 5856m
do Volcán San José, tal frase foi proferida por mim ao André, que já estava
resignado a alcançar o cume custe o que custasse. Afinal, ele não comeu “rap10”
com geleia de morango congelada e tomou café com gosto de lenço umedecido
naquela madrugada, para ter uma “foto de quase cume”. Seguiria até o fim, nem
que para isso ele sozinho fosse, com água congelada e com o “café morno e com
gosto de leite de rosas”.
**
Dois aspirantes a
montanhistas amazonenses, saindo de Manaus para ir escalar
um Vulcão no meio dos Andes Centrais, tendo experiência quase nula em alta
montanha, parece sinopse de filme de Sessão da Tarde, tal qual o saudosista
filme “Jamaica Abaixo de Zero”. Porém saindo da ficção e vindo para a
realidade, o fato é que de uns 10 anos para cá, amazonenses e residentes no
Amazonas já embarcaram no espírito do Montanhismo, criando muros de escalada,
abrindo vias no estado Amazonas e em Roraima, e fazendo ascensões em alta montanha
(Cordón del Plata, Cerro Tronador, Huayna Potosi, Vulcão Láscar e Vulcão
Sairecabur). Sem contar as travessias e viagens de escaladas realizadas no
Brasil e no exterior, iniciando assim uma pequena cultura do montanhismo no
Amazonas, que ainda engatinha, apesar de possuir o ponto culminante do Brasil.
***
PLANEANDO
Já havia ido a região do
Volcán San José, no final de 2015 com minha mãe e irmã, e havíamos feito a
trilha até o glaciar El Morado. Uma caminhada tranquila e bem bonita, que está
num dos clássicos da região. As hospedagens se concentram no “Pueblo” de Baños
Morales, a cerca de 80 km de Santiago, na belíssima Região do Cajón del Maipo,
e o povoado fica bem em frente ao Volcán San José que se impõe na paisagem. Aquela
imagem da imensa montanha branca permeou minha cabeça, e em meados de fevereiro
de 2016 chamei dois amigos para uma viagem ao Chile, para irmos escalar no Vale
de Los Cóndores e se possível fazer uma alta montanha. Cabe destacar que minha
experiência em alta montanha se baseava unicamente no trekking Salkantay e
ascensão ao Huayna Potosí, ambos em 2014. E só. Desde o cume do Huayna, eu
havia prometido que nunca mais faria Alta Montanha, devido as incontáveis dores
de cabeça, ao enorme desgaste físico mental, beber quantidade camelidais de
água, somado a tirar toda roupa de frio para ir ao banheiro, dores de cabeça,
noites mal dormidas e dores de cabeça. Mas como dizem que memória de
montanhista é uma das mais falhas, depois de visitar o Cajon Del Maipo com a
família, toda a lembrança de sofrimento esvaiu-se, e o desejo de chegar ao cume
do Volcán San José martelou na minha cabeça durante alguns meses, até planejar
a viagem.
viagem com a família em nov 2015 com o vulcão San José ao fundo
O planejamento consistiu
em juntar companhia para viagem, acertar as datas e ajudar o André a comprar a
vestimenta para alta montanha, (se deixasse ele ia de calça jeans. Ele foi
até certo ponto), fazendo eu me sentir o “mais, menos experiente”. Logo,
meu dever era ajudá-lo a comprar os trajes (o mais barato possível) que
consistiu em uma jaqueta de fleece, meias, roupas segunda pele, luvas e
calças de snowboard (conseguidas na promoção e usadas uma vez, estão no armário até hoje
esperando iniciarmos a prática do esporte) compradas na Decathlon, para
caminhar na neve, sem o risco de ficarmos molhados e congelarmos
Acertadas as datas, tendo 22 dias de viagem, juntamos com outro amigo, o Bernardo, e iniciaríamos a viagem no dia 30 de janeiro
de 2016, com 1 dia escalando em rocha na
região de Cajon del Maipo ( no setor conhecido como Torrecillas[1]), depois teríamos 4 dias de
escalada em rocha no Vale de los Condores, voltaríamos para Santiago, e daí o
Bernardo se desmembrava da equipe e iríamos planejar a ascensão do Volcán San
José.
VIAJANDO
EN CHILE
30 de janeiro 1º
dia:
Bernardo chega primeiro, algumas horas mais tarde, chego eu. André só no dia
seguinte. A ideia era alugar um carro, ir pegar André no aeroporto no dia
seguinte e partir para o Cajon del Maipo. Alojados em um hostel, e sem mais pendencias
para o 1º dia, Bernardo e eu fomos beber na região de Bellavista. Muitas
cervejas e um Terremoto[2] depois, eu estava
completamente bêbado, porém feliz, e fui infernizar a vida dos hospedes do
hostel em que estávamos alojados, batendo na porta para entrar como se minha
vida dependesse disso, sendo que havia uma campainha. Acabei dormindo na
recepção.
31 jan 2º dia. Dia seguinte.
Ressaca. Alugamos carro, pegamos André no Aeroporto, tentamos escalar em Torrecillas.
Trilha pesada. Chegamos na base da via. André se contorcendo com cãibras.
Escalamos a via errada, dura demais! Escalamos pouco, voltamos. Mais cãibra para
André e acampamos na base da Piedra Romel, tomamos banho as margens do
rio, comemos e dormimos.
1, 2, 3 e 4 fev Saímos
do Cajón del Maipo em direção à região de Talca (400km de Santiago) para
escalar no Vale de los Condores. Muita escalada, vinho e batata assada
de almoço, café e janta. Depois de quatro dias de escalada em rocha (apesar do 1º
dia com neve ,chuva e ventos) voltamos para Santiago, onde nos despedimos de
Bernardo. Lugar incrível que merece um retorno.
Bernardo no acampamento em Vale de los Condores, a beira da parede
André em uma das cachoeiras próximo a um dos Setores
5 fev 7º
dia.
Dia de descanso e preparação para arrumar os equipos restantes para ir para o
Volcán San José no dia seguinte. Já saímos de Manaus com algumas instruções
sobre a ascensão retiradas do site Andeshandbook, e com algumas dicas
dadas por um chileno que conheci no Rio de janeiro enquanto escalava no Pão de
Açúcar. Ele havia acabado de fazer o San José e havia falado para tentarmos primeiro
o Cerro “El Plomo - 5424 m” nos arredores de Santiago, e depois o San
José - 5856m, pois este último era um pouco mais duro e mais alto. Por não
ter dinheiro suficiente para alugar de equipos para fazer duas montanhas,
deveríamos escolher apenas uma. Por não termos bom faro para escolha, escolhemos
a mais alta e mais dura! Seriam 4 dias
de expedição e compraríamos comidas para os dias e o gás para fogareiros no Mercado.
Ainda restava ir ao local para o aluguel dos equipamentos técnicos para
ascensão, como barraca 4 estações, sacos de dormir para -10º, piolets,
botas duplas, crampons, pois comprar tudo isso estava bem longe dos
pensamentos.
Para falar a verdade, nós
não estávamos pensando muito. Ao chegar na loja de aluguel de equipamentos e
após conversar com o atendente, ele passou mais algumas dicas sobre a montanha
e já estávamos quase decidindo a não usar os crampons convencionais e
comprar uns descartáveis. Pelas informações coletadas, haveria apenas uma
travessia de um campo de neve que não era muito grande, e seria somente no
último dia, o que nos faria carregar um peso extra para usar por pouco tempo.
Por sorte, chegou um guia que havia acabado de descer o vulcão Tupungato. Tendo
andado por aqueles arredores recentemente, nos disse que havia muita neve ainda
naquela região e seria prudente levar os crampons convencionais e parar
com a estapafúrdia ideia (e mão de vaquice) de usar os descartáveis. Na verdade,
se ele soubesse nosso grau de experiência, teria falado que o prudente era sairmos
dali, encher a cara e comer empanadas.
Pois bem, trouxeram
nossos equipos que estavam listados (barraca 4 estações, sacos de dormir para
-10º C, piolets, botas duplas, crampons e mitones) o
aluguel de tudo para 4 dias, daria cerca de 100 reais por por dia para cada.
Ainda tentaram nos convencer a levar
bastões de caminhada, mas já estávamos no limite dos gastos (e no auge da mão
de vaquice). Depois de muito relutar
chegamos a seguinte decisão:
- F$#$#% - se os bastões!
Carregamos nas costas mesmo!
Essa decisão certamente foi muito equivocada, concordaríamos
depois da viagem.
Apesar de acharmos caro o
aluguel, estava tudo bem porque seriam dias na montanha com bastante aventura,
reflexão e todo aquele papo o qual tentamos justificar para nós mesmos o alto
custo dessas aventuras. Falamos para o atendente que era um assalto
pagaríamos, porém haveria outro problema. Deveríamos deixar uma caução
equivalente a R$ 3000,00 para os equipamentos, em caso de danos ou
extravio a estes. O pior é que era em dinheiro, e não em cartão (o que não
adiantaria muito, pois a viagem já foi no limite do cartão). Deveríamos aí sim,
desistir de tudo e partir para encher bastante a cara e comer bastante
empanadas. Mas aí veio a ideia e que logo se transformou em uma frase, e que depois
foi vista como má ideia:
- “Deixamos 500 reais e
nossos passaportes como garantia”.
O atendente pestanejou, falou com seu gerente
e por fim aceitou nossa proposta. Dias depois, já na montanha pensamo: se nós
morrêssemos eles não reaveriam o valor dos equipos, teriam somente 500 reais e
nossos passaportes brasileiros com fotos estranhas como lembrança.
Colocamos os equipamentos
nas mochilas cargueiras e saímos da loja, andando pelo centro de Santiago num
calor de 30º C - já imaginando o sofrimento que seria carregar isso montanha
acima - e fomos em direção ao mercado comprar os mantimentos. Já no fim do dia,
lembrei que não tinha óculos escuros. E acabamos indo comprar óculos quase
igual ao original nos ambulantes perto da Estação Central de Santiago. Fizemos
nossa última refeição digna regada a bastante cerveja nos arredores, e partimos rumo
ao Hostel para arrumar a mochila e partir cedo na madrugada seguinte.
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