sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Parte 3 Chile: Vulcão vinho, empanadas, condores, escaladas e vulcão pt.3

PARTE 3

Dia 11. 9 fev 4800m – Cratera do vulcão 5800m. “- Acorda! São quase 4 da manhã! Bora sair.!” Eu tentava acordar André, depois de ter colocado o celular no modo soneca e perdido o alarme de 3h da manhã. André levantou e começamos a fazer nosso café da manhã. Enquanto fazíamos o café, André relatou que não havia conseguido dormir bem. Além do frio, havia o vento soprando na barraca, que o fazia pensar que ela sairia voando. Quanto a mim, estava desmaiado.  O café da manhã consistiu em uma geleia de morango congelada, que tentávamos passar no RAP 10 e incrementar com pedaços de atum enlatado. Um café preto com chocolate com gosto de perfume pois, a panela que esquentou a água foi inteligentemente “lavada” por mim com lenço umedecidos. Somada a náusea que nós sentíamos, o café da manhã foi um verdadeiro show de horrores. Levamos esse banquete congelado e perfumado nas mochilas de ataque juntamente com 3 litros de água para cada um, tomamos um chá com alguns biscoitos recheados e partimos.

Com um ganho de altitude de quase 1000m nesse dia, deveríamos sair cedo se quiséssemos chegar no cume, voltar para o acampamento, desmontar a barraca e descer até a estrada, para tentar chegar ainda no mesmo dia em Santiago. Uma logística um tanto quanto audaciosa, mas era um dos itinerários recomendados no site que pesquisamos.

Conforme relatos lidos e conversas com os chilenos, estipulamos a chegada ao cume até o meio dia, pois esse era o horário limite para evitar as tempestades que ocorrem no cume, o que poderia complicar a descida (os próprios chilenos foram frustrados por isso na tentativa anterior).

Com o frio pesado a noite, e sabendo que sairíamos cedo, acabamos dormindo equipado com toda a roupa de ataque ao cume, excetuando o anorak e a calça impermeável, então nos arrumarmos para sair não foi tão difícil. Difícil mesmo foi sair do calor da barraca, e sentir o frio da Cordilheira no meio da madrugada. Como de praxe, já víamos os chilenos a uma boa distância, morro acima. Eu ainda engatava a 1ª marcha, me sentindo extremamente cansado e com bastante frio, enquanto André já mostrava uma disposição diferente dos dias anteriores. A madrugada estava limpa, os ventos fortes haviam cessado. Somente a luz das headlamps iluminava naquele momento aquele pedaço da Cordilheira dos Andes: duas mais acima, a dos chilenos; uma no meio, a de André; e a minha a uns 100 m distante de André.  Eu não conseguia imprimir um ritmo de caminhada bom e avisei André que iria mais devagar, mas manteria contato visual.

Terminei esta subida exausto após quase 1h30 de caminhada, e já aparecendo os primeiros raios de sol. “-Talvez algum ânimo apareça com o nascer do sol!” pensei. Fui ao encontro de André para planejarmos a passagem de um “nevero” - uma travessia horizontal com comprimento total de cerca de 300 m coberto de neve, sendo necessário a utilização dos crampons e piolets. Tentamos comer novamente alguma coisa, mas o café perfumado e a geleia congelada aumentavam ainda mais as minhas náuseas. Acabei comendo somente alguns caramelos, tomando alguma água (ela havia congelado na garrafa) e arrumando os crampons e colocando o piolet à mãos para iniciar a travessia do nevero.

 A esse ponto, os chilenos eram somente alguns pontinhos coloridos a uma grande distância, naquele ambiente de pedras negras, neve e um céu azul limpo e com poucas nuvens. Devagar e pacientemente, fomos atravessando o nevero, tentando não olhar para baixo e tentando não imaginar o que aconteceria se escorregássemos. Morrer não iríamos, provavelmente conseguiríamos frear a descida, não antes de nos ralarmos todo no cascalho logo após a faixa de neve.

A 5400 m, mais uma vez tive que parar para descansar, e comecei a pensar que a viagem até ali já estava boa (ou ruim) o suficiente e que poderíamos voltar para casa. Olhei para o caminho que ainda faltava a ser percorrido. Uma subida interminável, constante e longa para subir os 400 metros de altitude restantes.  Paramos próximo a uma grande pedra para nos abrigarmos do vento. Eu já não podia nem com minha mochila de ataque, que só continha os crampons, piolet, alguma comida, 1 garrafa d´água e um fleece. Foi quando falei para André que pararia ali mesmo. Ele disse que continuaria. Falei que aguardaria ele retornar para descermos juntos. Arrumei o que tinha de provisão e passei para ele, deixando uma garrafa de água comigo. O vi se afastando e num lampejo, com intuito de enviar boas vibrações gritei:

 

SÓ NÃO VAI MORRER, CARALHO!

Ele ouviu, acenou. E eu ali parado, encostado naquela pedra. Comecei a pensar:” talvez ele nem voltasse. Talvez nem ele, nem os chilenos voltassem e eu ficaria ali para sempre esperando para descer com alguém.” Depois dessa pequena reflexão que parecia ter durado horas, eu decidi continuar caminhando o mais devagar que pudesse, gastando o mínimo de energia, até que eu encontrasse André desistisse ou no cume chegássemos. Deixei minha mochila encostada na pedra que nada pesava, mas muito me incomodava, pois queria seguir confortavelmente. Buscaria na volta E assim nesse ritmo fomos avançando lentamente. Eu comecei a estratégia de caminhar olhando para os meus pés contando os passos mentalmente até 100 e depois recomeçar, como tentativa de fazer o cérebro se preocupar em outra coisa, que não fosse a pergunta “quanto falta para chegar?”.

 Acabei entrando em uma espécie de transe e quando me dei conta, avistei os chilenos descendo em nossa direção. Teriam eles desistido? Ou o cume já estava perto? Mais alguns minutos (ou horas, a essa altura eu já estava sem referência temporal) caminhando e eles nos encontraram, tendo o diálogo sido mais ou menos dessa forma, somado a muita mímica e gritaria:

 “Chegaram no cume?” perguntei em meu espanhol farofento.

 “– Sim, sim “Respondeu um deles.

“- Caminhem rápido pois o tempo está virando, mas falta um pouco. Não demoramos muito no cume. Muito vento”. Continuou o outro. (pelo menos foi isso que entendi)

“Ok. Ok! Seguiremos”. finalizei

 

Pouco nesse ambiente é uma coisa relativa, e como não poderia deixar de ser foi extremamente relativa. Caminhei o “pouco “que faltava xingando, caindo, andando, me arrastando, e sobretudo me perguntando (e sofrendo ainda mais) porque diabos eu estava ali. Já havia prometido desde a Bolívia (2 anos antes) que nunca mais faria alta montanha. E lá estava eu, na mesma ladainha. André estava focado, e pouco conversávamos, mas ele demonstrava está com mais energia que o pobre diabo que o seguia.

Pouco a pouco (ou muito a muito) vimos que a subida se tornou um pouco mais plana, e os ventos começavam nos acertar. A adrenalina tomou conta de nós, e prontamente senti o fôlego voltar. Esbocei uma caminhada um pouco mais rápida, quase uma corrida, mas os pulmões não respondiam conforme o necessário. Mas não importava mais a pressa, já deslumbrávamos a imensa cratera do Vulcão San José, com suas bordas cheias de neve. E ao olharmos para trás de nós víamos a cadeia de montanhas dos Andes. A montanha vizinha, o Marmolejo estava em primeiro plano, e outras quais não saberia nomear.


Quase chegando

A paisagem montanhosa era uma mescla de muitos tons de azul , branco e negro. Já estava satisfeito por chegar até ali. Saquei a máquina fotográfica do bolso do anorak.  Tive que tirar as luvas mitones para operar a máquina, e minha mão quase congelou instantaneamente. As pontas dos dedos adormeceram, mas consegui bater algumas fotos e um vídeo antes dela descarregar totalmente. Pude gravar o André subindo ainda mais, pela borda da cratera, para chegar no ponto mais alto desta e aí sim o verdadeiro cume, faltando ainda uma boa caminhada para chegar. O vento nos golpeava com violência. Já eram quase 14h, duas horas passadas do nosso tempo limite. Gritei para André voltar, pois o vento e o frio já estavam demais e eu já estava nas últimas Ele acabou acatando e iniciamos a descida. Chegar até ali a quase 5800 m já estava bom demais.

 



na borda da cratera

os dois na borda da Cratera


a Cratera


Cratera do vulcão clique (vídeo)


Dia 11. 9 fev Cratera do vulcão 5800m - 3130m.  Estando um pouco atrasado com no nosso horário (cerca de 2h de atraso) começamos a descida e até aquele momento o tempo estava limpo. Ventava bastante, mas com poucas nuvens.  Descemos sem problemas, rápido até comprovando que para baixo todo santo ajuda. Chegamos à pedra onde minha mochila estava, resgatamo-la e seguimos em direção a volta da travessia do nevero. Neste ponto, conforme baixávamos de altitude eu melhoraria meu estado, mas começava a me sentir com muito sono. O apetite já havia voltado e consegui comer alguma coisa. O André estava tranquilo e pouco falávamos. A esse ponto começamos a avistar novamente os chilenos (teríamos descido rápido demais ou eles não estavam com tanta pressa assim de descer?) terminando a travessia do nevero.

  Recolocamos os crampons e piolet    e iniciamos a travessia. Nesse ponto eu já estava começando a misturar realidade e sonho. Estava num estado de letárgico, e num desses momentos avistei André um pouco mais a frente e como não iria conseguir alcança-lo. Decidir por bem sentar um pouco para descansar. No meio da travessia. No nevero. Coloquei o piolet entre as pernas, apoiei a cabeça nele e cravei os crampons na neve. Acabei cochilando naquela posição. Por alguns minutos, alguns segundos, não sei ao certo. Mas quando despertei, assustei-me por acordar naquela paisagem, e em uma posição nada confortável com relação a vista minha frente: um gigantes escorregador para o infinito de rochas e pedras. Recompus-me do susto terminei a travessia e avistei André já quase alcançando os chilenos. Ele andava em um ritmo acelerado, e bem quieto.

Descida sem problemas, chegamos ao acampamento 2, começamos a desmontar nossa barraca, comemos algo e os chilenos nos indagaram o que pretendíamos fazer. Falamos que iríamos tentar chegar até a estrada no fim do dia e talvez até Santiago. Eram quase 16h. Eles falaram que era algo impensável e que eles iriam dormir uma noite mais no acampamento. No dia seguinte, desceriam tudo. Demos de ombros, e seguimos com nosso plano.

A descida incialmente foi realmente bem rápida. Estávamos concentrados em descer rápido, mas com segurança. Excetuando os trechos de moraina onde era perigoso demais descer tão rápido. Em alguns pontos onde a trilha seguia pela moraina, mas existia um trecho com neve, eu sugeri descer escorregando e freando com o Piolet, ao invés de ficar pisando em ovos nas rochas soltas. Salvou algum tempo, mas acabamos ficando molhados e mais cansados.  E André já dava sinais de irritação. Estávamos rápido, porém não o suficiente.

Se aproximava das 19h e ainda não estava sequer perto do Refúgio onde passamos a 1ª noite.  Já estava certo que não chegaríamos na estrada. André já cogitava em montar a barraca em qualquer lugar, mas eu queria chegar pelo menos até o refúgio. Ainda havia outro agravante: a nossa água estava acabando.

Com GPS em mãos, não seria problema seguir a trilha mesmo no escuro certo? A noite caiu, e nossas headlamps não eram suficientes para evitar os tropeções, escorregões e caminhadas na beira de precipícios. O stress começou a tomar conta de nós. André queria a qualquer custo acampar em qualquer lugar, e eu relutava dizendo que o GPS mostrava que estávamos chegando e eu queria andar igual um maluco na escuridão. A ideia de desarmar a mochila e armar a barraca de novo me incomodava. Em algum ponto da descida, em um trepa-pedras cheias de lacas soltas, eu pedi para que André esperasse eu descer, para que ele viesse depois que eu estivesse longe da linha de pedras. Ele ignorou e começou a descer junto comigo, sem antes pisar em várias pedras abaixo que passaram como mísseis perto de mim.

Continuávamos a descer. Estávamos acordados desde as 4h da manhã e já era quase 10 da noite. Somado a isso, a falta de água nos deixava loucos. Ouvíamos o barulho dela escorrendo em algum ponto abaixo das rochas, mas não conseguíamos encontrá-la. O GPS apontava que estávamos a 3100m (na altitude do Refúgio), mas não conseguíamos localizá-lo. Teríamos entrado em vale errado? Estaríamos do outro lado da montanha? Em que ponto pegamos o caminho errado? Estávamos perdidos?

Por fim, André acabou achando água para beber em algum ponto onde a água represava. Tomamos água como loucos e tentamos nos recompor. André e eu conversamos. Aceitamos nossa situação de perdidos nos Andes, e concordamos que o mais prudente seria montar novamente a barraca, comer algo e dormir. No dia seguinte tentar se localizar para achar a saída. Caminhar às cegas, no frio e exaustos não estava adiantando muito.

  Dia 12. 10 fev. - 3130m – Santiago   Amanheceu. Não se pode dizer que a noite foi mal dormida, pois simplesmente desfalecemos dentro da barraca. Não conseguimos nem mesmo preparar uma refeição decente para dormir. Comemos alguns amendoins e uns restos de biscoito e desmaiamos. Com os primeiros raios de sol irradiando a barraca, despertei e fui ansioso olhar a paisagem fora da barraca. “- André! André! Acorda. Caralho! Tu vai ficar puto!”

Ele levantou meio atordoado, meio puto por tê-lo acordado, mas foi verificar o que tinha despertado tanta euforia. Ao colocar a cabeça para fora da barraca e olhar para o lado direito suas primeiras palavras foram:

- “ Sério? Puta que pariu! Eu peguei água lá!!! Não é possível!!!”

Para nossa surpresa, o lugar onde havíamos coletado água na noite anterior, era num ponto onde a água represa bem em frente ao Refúgio que procurávamos alucinados na noite anterior, e que nos daria uma noite infinitamente mais confortável, abrigada, aquecida e bem alimentada. Talvez pela escuridão, exaustão, pura bizonhice ou o inconsciente espírito de sifudência, não avistamos o Refúgio e acabamos dormindo desconfortavelmente na barraca uma noite a mais. Fizemos um café da manhã reforçado, ainda desacreditados da burrada que havíamos feito, começamos a desmontar acampamento e iniciamos nossa descida rindo ainda do fato inusitado. 


o acampamento forçado com o Refúgio ao fundo

 A descida até estrada foi bem tranquila, apesar de estarmos bastante cansados da jornada. Não tínhamos tanta pressa, porque o ônibus para Santiago só partiria no fim da tarde, e pagaríamos uma diária mais no aluguel dos equipamentos de qualquer forma.  O sol brilhava a pino, e a temperatura já estava ficando bem agradável. Já não tinha mais sintomas de mal de altitude. No caminho ainda pudemos avistar uma raposa andina, passeando calmamente por um campo verde. E passando no Valle de la Engorda (onde a população local leva seus rebanhos para pastar) atravessamos um “campo minado de bodes”. Essa parte foi bem tensa, porque eu temia que a qualquer momento um deles viesse em nossa direção, e em campo aberto com as mochilas cargueiras, seríamos um alvo fácil. Por sorte tudo correu sem problemas e pudemos seguir nosso caminho sem mais contratempos.

raposa andina

campo minado de Bodes

Chegamos na estrada, não conseguimos nenhuma carona para chegar até Baños Morales, então tivemos que descer os penosos 7km de estrada de terra, para poder celebrar o fim da aventura com muitas latas de cerveja e empanadas, esperando nosso Busão para Santiago.

Chegando em Santiago foi partir para o hostel, comer algo e dormir até o meio dia do dia seguinte, para fazer a entrega dos equipamentos alugados (já que nossos passaportes estavam penhorados na loja).

Sair de Manaus nessas condições foi arriscado, com muito perrengue e sem dúvida extremamente divertido. Essa história sempre é lembrada nas rodas de amigos em Manaus (sempre aumentando ou diminuindo alguma coisa) mas nunca foge do plano geral. Acredito que a experiência vivenciada ali  foi muito válida e agora eu tenho certeza que nunca mais quero fazer Alta Montanha.(minto, em  fev 2020 subi o vulcão Láscar no Atacama, mas é outra história).







quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Parte 2 Chile: Vulcão vinho, empanadas, condores, escaladas e vulcão

PARTE2

 INICIANDO A SUBIDA

Dia 8 6 fev  570m- 3130 6 h da manhã, último banho com água. Mastigamos alguma coisa, e partimos para a estação de Metrô, com mochilas pesando 30 kg, lotada de equipamentos e comida. Botas duplas e piolets presos no lado de fora da mochila. Sendo um sábado em Santiago, àquela hora da manhã estaria muito frio para o metrô estar cheio, e mesmo que estivesse, as pessoas não estariam nem um pouco interessadas nas duas figuras com mochilas enormes e material de montanha, utilizando o metro numa manhã de sábado de verão. Se estivessem acordadas, estariam elas ocupadas em seus pensamentos lamentando porque acordaram tão cedo. Ainda estava escuro! E frio!

 Por volta das 7h30, descemos na estação a qual pegaríamos o 1º ônibus que iria para a Região do Cajon Del Maipo. Quase não conseguimos passagem. Creio que o Cajon del Maipo é um bom destino de verão para grande parte dos Santiaguinos, com vários locais para banho para amenizar o calor, deixando as estancias e campings lotadas de famílias e adolescentes. Famílias vão de carro. Adolescentes de ônibus. E fazendo muito barulho! André e eu estávamos naquele inferno austral de verão com nossas mochilas gigantes, em trajes totalmente diferentes dos demais, com objetivo de entrar no ônibus, nos livrarmos um pouco das mochilas e conseguir tirar um cochilo até chegar no nosso destino.

Embarcamos, e como já havíamos feito parte do trajeto dias antes de carro, aproveitamos para dormir um pouco no ônibus, nos preparando para a subida que seria grande. Chegamos o povoado de Baños Morales a 1800m de altitude, por volta das 11h30. Comemos empanadas fritas, ligamos o GPS e saímos a caminhar em direção ao início da trilha para o Volcán San José. De Baños Morales até o lugar conhecido como El cabrerio (início da trilha) são cerca de 7 km pela estrada de terra que dá acesso ao outro vilarejo - Baños Colina.

     André na saída do vilarejo de Baños Morales

Eu no mesmo lugar

    Então, fomos nós andando pela estrada de terra, suplicando para que alguém nos desse carona e nos poupasse de caminhar tanto só para acessar o início da trilha. 30 min caminhando no sol e tomando poeira na cara vindo de máquinas pesadas que trabalham na Mineradora da região, conseguimos uma carona na caçamba de uma caminhonete que nos deixou a 1km a frente da entrada da trilha. Tentei avisar para o motorista parar, mas ele não me ouviu e quando ouviu já era tarde. Começamos a voltar, erramos de novo a entrada (nos habituando com GPS que estávamos aprendendo a ler e com espírito de autosuficiência e sifudência de não perguntar nada a ninguém), descemos por uma rota que não tinha nada a ver. Acabou o orgulho e aí perguntamos de um pessoal que tomava banho num riacho onde ficava el cabrerío e aí sim entramos na trilha.

Eu na boléia(volcán San José ao fundo)

  Contornamos o Morro Negro, por um caminho na moraina utilizado para levar os rebanhos  de bodes e cabras para pastar no Valle de La Engorda, onde chegamos quase  às 15h. Paramos para o  para almoço avistando o grande Volcan San José, com campos de neve no alto, e procuramos a quebrada sur para acesso a pesada subida ao Refúgio Plantat, a 3130 m de altitude.

Trajeto desde valle de la engorda
rajeto desde Valle de la engorda (2570m) até o cume (5856m) fonte: Andeshandbook

Começamos a andar em terreno plano, passando alguns riachos e nos aproximando da trilha de subida. A quebrada Sur, com subida para o refúgio, estava bem marcada com trechos empinados revezando terra com pedras soltas e subida que não acabava mais. Por volta das 19h, com bastante luz ainda, chegamos ao Refúgio. Ficamos felizes, por não ter que armar barraca, pois havia vaga para dormir nas camas do abrigo (beliches feitos com arames servindo de estrado) e havia água abundante em frente ao refúgio.

 Lá encontramos uma brasileira que estava com uma turma, e que iriam descer na manhã seguinte, pois seu objetivo era ir só ao refúgio. Conhecemos um senhor que estava já alguns dias (esperando uma janela de tempo bom para fazer cume e que nesse dia havia desistido, depois de alguns intentos) e uma dupla de chilenos que haviam subido no mesmo dia, e estavam com o mesmo plano que nós de fazer cume. Logo, não estaríamos tão sozinhos no dia seguinte. Batemos algum papo, jantamos batatas com arroz e atum, deitamos nas camas, empacotamo-nos nos sacos de dormir e desmaiamos.

 

vista da quebrada sur desde Valle de la engorda

            vista desde a quebrada sur para valle de la engorda

André entrando na quebrada sur

subindo e subindo

Dia 9  07 fev. 3130m.- 4200m Dormimos confortavelmente no refúgio. Os sacos de dormir e as roupas que levamos aguentaram bem o frio, tendo como resultado uma manhã preguiçosa em que levantamos já por volta das 9h.  O dia seria longo, teríamos que sair do abrigo a 3130m de altitude e chegar no acampamento 01 a 4200m. Porém, já conhecendo nosso ritmo de caminhada e sabendo que nessa época teríamos sol até cerca das 22h, optamos por descansar um pouco mais e sair mais tarde.


vista da Frente do Refúgio Plantat

Café da manhã tomado, comida de trilha pronta, mochilas prontas, partimos do nosso confortável abrigo para ir em busca da 1ª noite ao relento no coração dos Andes Centrais. A partir daí, já utilizaríamos as Botas Duplas pois haveria trechos com neve, deixando nossas botas de aproximação no abrigo, e alguma comida para utilizarmos na volta dali a 2 dias. Os chilenos haviam saído um pouco mais cedo, e nós seguíamos sozinhos pelo caminho ora batido, ora seguindo a rota do no GPS.

Depois de aproximadamente 1h30 caminhando, chegamos numa subida exposta ao vento, cheio de lacas soltas chamada de Las Lajas. Tomando cuidado para não jogarmos pedras soltas um no outro, terminamos a subida e tomamos um fôlego para continuarmos. A partir desse ponto, caminha-se em direção a um vale, em que a trilha passa bem em frente a um enorme glaciar e depois segue subindo o vale para ir em direção ao acampamento. Paramos antes da subida para almoçar e avistamos já bem acima, os chilenos chegando no alto, bem acima do vale.



       trecho das las lajas


Glaciar que temos que contornar

Após a refeição, iniciamos a subida, e após algum tempo, reparamos que o trajeto ficou um pouco mais íngreme do que esperávamos, com trechos de escalaminhada em neve, sendo que em dado momento já estávamos usando os piolets para equilibrar.  

“- O relato do site não dizia nada disso, ou eu não entendo nada de espanhol” pensei. Estávamos em uma subida empinada de neve com uma inclinação nada amigável e que findava no fim do vale o qual minutos antes estávamos confortavelmente almoçando. O medo começou a tomar conta de nós. No meio da subida, cansados e com bastante cagaço, paramos para tomar água e “vuuuuuuuuuuuuuuuush” nossa garrafa de 2 litros foi escorregando neve abaixo. Descer, nós não iríamos para buscá-la. Só nos restava subir. Se não dava para ir sem medo, foi com medo mesmo de terminar no fundo do vale, escorregando ao encontro de nossa garrafa. Terminamos a subida cansados, exaustos, putos e com muito vento na cabeça. (Soube pelos chilenos já no acampamento 1, que havia uma trilha que desviava dessa subida). Olhamos o GPS, e ainda faltavam cerca de 200m de desnível na neve...


a subida que perdemos nossa garrafa


De pouco em pouco, fomos nos arrastando, mais parando do que andando e por volta das 18h30 chegamos no acampamento 1. André já estava sofrendo com dores de cabeça e náusea. Arrumamos rápido nossa barraca, e tratamos de fazer um chá com folhas de coca (que eu tinha ainda da minha última viagem da Bolívia)  e dei um comprimido de Dexametasona(que minha mãe utilizava para aliviar os efeitos da quimioterapia) para o André e minutos depois o menino já estava de volta a vida.. Tratamos de procurar água antes que a temperatura caísse e ela congelasse (nesse acampamento ainda há como encontrar água em estado líquido em alguns pontos embaixo das pedras), fizemos nossa janta (macarrão com linguiça e ovo) , trocamos umas palavras com os chilenos e fomos dormir mais cedo do que esperávamos.

 

acampamento 1, biscoitos surtidos


        Chá para aliviar as náuseas


Dia 10. 8 fev 4200m – 4800m Apesar de estarmos acampados, a noite foi bem tranquila. O lugar do acampamento era abrigado do vento, além de ter várias pircas (montes de pedras agrupados que cortam os ventos) para montar as barracas. Repetindo o esquema do dia anterior, os chilenos saíram mais cedo que nós. Tomamos café, desmontamos acampamento e arrumamos as mochilas, tudo isso num esforço gigantesco para lidar com a altitude que já começava a cobrar seu pedágio por estarmos naquele lugar. Iniciamos a caminhada devagar, com todo o peso da mochila (por mais que comêssemos as provisões, a mochila parecia que aumentava de peso) e depois de cerca de 1h encontramos os chilenos descansando e calçando seus crampons  e se armando com os piolets para atravessar um vale e iniciar uma longa subida. Perguntei a eles se era necessário mesmo, e ao que me responderam positivamente que sim, pois com o sol já no alto, e a neve antes endurecida, começava a derreter e ficar escorregadia.  Nuestros amigos então partiram na frente, em um ritmo de marcha bem mais forte que o nosso e nós paramos para descansar e aprender a colocar os benditos dos nossos crampons.  


Saída do Acampamento 1


andré mostrando como se coloca o crampon


Caminhada no neve endurecida

Depois de uma surra para ajustar os equipamentos, iniciamos a caminhada pelo vale, minutos depois começamos a ouvir pedras (pequenas, mas pedras) deslizando vale adentro. Foi então que avistamos uma pedra gigante equilibrada em um bloco de neve. Olhamos o sol a pino, então imaginamos o que aconteceria se houvesse um bloco desse acima de nós e a neve derretesse, e o bloco deslizasse vale abaixo. Apertamos o passo o quanto deu, cruzamos o vale e chegamos a uma subida num campo de penitentes.  Essas formações de neve endurecida e pontiagudas, são um verdadeiro inferno para transpor: você tem que achar a melhor rota para desviar desses obstáculos que podem medir sua altura, subindo com crampon e piolet, carregando sua  mochila pesando uns 25kg , com respiração ofegante no ar rarefeito.. Até então eu só tinha lido a respeito. E espero não encontrar um desses de novo.


tome subida


pedra equilibrada.. deveria haver várias acimas de nós


campo de penitentes(são essas formações que vistas de longe, 
parecem uma multidão de joelhos orando)

 Pausa para o almoço, faltavam cerca de 250 m de desnível para o acampamento 2. A partir daí era só subida em terreno de rochas soltas (o que arrebentava o psicológico pois você sobe um passo e volta três). Voltamos a subir e chegamos a um acampamento intermediário a 4620m, mais abrigado do vento e com água no mesmo esquema do acampamento 1. A desvantagem desse lugar é que teríamos que sair mais cedo para atacar o cume. Sendo mais desgastante se quiséssemos fazer cume, e no mesmo dia, descer quase 4000m de desnível da montanha até chegar à estrada e ainda tomar uma cerveja em Santiago (sim esse era o plano inicial!). Tocamos em frente, e por volta das 19h chegamos ao acampamento 2 a 4800m de altitude.
O local era exuberante e desolador. Exuberante pela paisagem e a imensidão da Cordilheira dos Andes a nossa frente. Acostumados à planície amazônica, vendo a imensidão de rios e saber que o maior deles nascia em algum ponto um pouco mais ao norte, naquele mar sem fim de montanhas, deixava-nos estupefatos. Ou talvez era só mal de altitude mesmo. Desolador, porque estávamos a 4800m de altitude, com o vento arregaçando nossas cabeças e nossa barraca (apesar de termos montado em uma das pircas existentes) e teríamos que derreter neve para ter água. Mais uma coisa que teríamos que aprender: o volume de água derretida sempre vai ser menor que o volume de neve coletada. Ou seja, haja neve e gás para conseguirmos uma quantidade significativa de água! E precisaríamos de muita, já que na madrugada faríamos ataque ao cume e planejávamos levar cerca de 4 litros para cada um.
Deixamos as garrafas de água abastecidas, jantamos, tomamos agua até explodir e deixamos as mochilas de ataque preparadas, material de café da manhã pronto, despertador para as 4h da manhã e tentamos ir dormir cedo. Mas a ansiedade era maior e o sono demorou a chegar.



A horrível subida nas pedras soltas até o Acampamento 2


O cume visto Acampamento 2




não parece, mas tem neve sendo derretida


continua...



Parte 1 Chile: vinho, Cóndores,empanadas, escaladas e vulcão


Só não vai morrer Caralho!

Estas palavras, ditas a 5400 m de altitude, em uma montanha nos Andes Centrais, não parecem ter uma ênfase motivadora. Mas era justamente o que elas eram! No momento em que eu já me encontrava exausto e a ponto de desistir da empreitada de alcançar os 5856m do Volcán San José, tal frase foi proferida por mim ao André, que já estava resignado a alcançar o cume custe o que custasse. Afinal, ele não comeu “rap10” com geleia de morango congelada e tomou café com gosto de lenço umedecido naquela madrugada, para ter uma “foto de quase cume”. Seguiria até o fim, nem que para isso ele sozinho fosse, com água congelada e com o “café morno e com gosto de leite de rosas”.

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Dois aspirantes a montanhistas amazonenses, saindo de Manaus para ir escalar um Vulcão no meio dos Andes Centrais, tendo experiência quase nula em alta montanha, parece sinopse de filme de Sessão da Tarde, tal qual o saudosista filme “Jamaica Abaixo de Zero”. Porém saindo da ficção e vindo para a realidade, o fato é que de uns 10 anos para cá, amazonenses e residentes no Amazonas já embarcaram no espírito do Montanhismo, criando muros de escalada, abrindo vias no estado Amazonas e em Roraima, e fazendo  ascensões em alta montanha (Cordón del Plata, Cerro Tronador, Huayna Potosi, Vulcão Láscar e Vulcão Sairecabur). Sem contar as travessias e viagens de escaladas realizadas no Brasil e no exterior, iniciando assim uma pequena cultura do montanhismo no Amazonas, que ainda engatinha, apesar de possuir o ponto culminante do Brasil. 

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PLANEANDO

Já havia ido a região do Volcán San José, no final de 2015 com minha mãe e irmã, e havíamos feito a trilha até o glaciar El Morado. Uma caminhada tranquila e bem bonita, que está num dos clássicos da região. As hospedagens se concentram no “Pueblo” de Baños Morales, a cerca de 80 km de Santiago, na belíssima Região do Cajón del Maipo, e o povoado fica bem em frente ao Volcán San José que se impõe na paisagem. Aquela imagem da imensa montanha branca permeou minha cabeça, e em meados de fevereiro de 2016 chamei dois amigos para uma viagem ao Chile, para irmos escalar no Vale de Los Cóndores e se possível fazer uma alta montanha. Cabe destacar que minha experiência em alta montanha se baseava unicamente no trekking Salkantay e ascensão ao Huayna Potosí, ambos em 2014. E só. Desde o cume do Huayna, eu havia prometido que nunca mais faria Alta Montanha, devido as incontáveis dores de cabeça, ao enorme desgaste físico mental, beber quantidade camelidais de água, somado a tirar toda roupa de frio para ir ao banheiro, dores de cabeça, noites mal dormidas e dores de cabeça. Mas como dizem que memória de montanhista é uma das mais falhas, depois de visitar o Cajon Del Maipo com a família, toda a lembrança de sofrimento esvaiu-se, e o desejo de chegar ao cume do Volcán San José martelou na minha cabeça durante alguns meses, até planejar a viagem.



                            viagem com a família em nov 2015 com o vulcão San José ao fundo

O planejamento consistiu em juntar companhia para viagem, acertar as datas e ajudar o André a comprar a vestimenta para alta montanha, (se deixasse ele ia de calça jeans. Ele foi até certo ponto), fazendo eu me sentir o “mais, menos experiente”. Logo, meu dever era ajudá-lo a comprar os trajes (o mais barato possível) que consistiu em uma jaqueta de fleece, meias, roupas segunda pele, luvas e calças de snowboard (conseguidas na promoção e  usadas uma vez, estão no armário até hoje esperando iniciarmos a prática do esporte) compradas na Decathlon, para caminhar na neve, sem o risco de  ficarmos molhados e congelarmos

Acertadas as datas,  tendo 22 dias de viagem,  juntamos com outro amigo, o Bernardo,  e iniciaríamos a viagem no dia 30 de janeiro de 2016,  com 1 dia escalando em rocha na região de Cajon del Maipo ( no setor conhecido como Torrecillas[1]), depois teríamos 4 dias de escalada em rocha no Vale de los Condores, voltaríamos para Santiago, e daí o Bernardo se desmembrava da equipe e iríamos planejar a ascensão do Volcán San José.


VIAJANDO EN CHILE

30 de janeiro 1º dia: Bernardo chega primeiro, algumas horas mais tarde, chego eu. André só no dia seguinte. A ideia era alugar um carro, ir pegar André no aeroporto no dia seguinte e partir para o Cajon del Maipo. Alojados em um hostel, e sem mais pendencias para o 1º dia, Bernardo e eu fomos beber na região de Bellavista. Muitas cervejas e um Terremoto[2] depois, eu estava completamente bêbado, porém feliz, e fui infernizar a vida dos hospedes do hostel em que estávamos alojados, batendo na porta para entrar como se minha vida dependesse disso, sendo que havia uma campainha. Acabei dormindo na recepção.

31 jan 2º  dia. Dia seguinte. Ressaca. Alugamos carro, pegamos André no Aeroporto, tentamos escalar em Torrecillas. Trilha pesada. Chegamos na base da via. André se contorcendo com cãibras. Escalamos a via errada, dura demais! Escalamos pouco, voltamos. Mais cãibra para André e acampamos na base da Piedra Romel, tomamos banho as margens do rio, comemos e dormimos.

                                                                               Setor Torrecillas visto da trilha


                                 Bernardo na p1 de alguma via que não me lembro!


1, 2, 3 e 4 fev Saímos do Cajón del Maipo em direção à região de Talca (400km de Santiago) para escalar no Vale de los Condores. Muita escalada, vinho e batata assada de almoço, café e janta. Depois de quatro dias de escalada em rocha (apesar do 1º dia com neve ,chuva e ventos) voltamos para Santiago, onde nos despedimos de Bernardo. Lugar incrível que merece um retorno.


                     Bernardo no acampamento em Vale de los Condores, a beira da parede



                                            André em uma das cachoeiras próximo a um dos Setores


   Olha esse negativo... acho que aí que Adam Ondra abriu a via mais difícil do Chile


5 fev 7º dia. Dia de descanso e preparação para arrumar os equipos restantes para ir para o Volcán San José no dia seguinte. Já saímos de Manaus com algumas instruções sobre a ascensão retiradas do site Andeshandbook, e com algumas dicas dadas por um chileno que conheci no Rio de janeiro enquanto escalava no Pão de Açúcar. Ele havia acabado de fazer o San José e havia falado para tentarmos primeiro o Cerro “El Plomo - 5424 m” nos arredores de Santiago, e depois o San José - 5856m, pois este último era um pouco mais duro e mais alto. Por não ter dinheiro suficiente para alugar de equipos para fazer duas montanhas, deveríamos escolher apenas uma. Por não termos bom faro para escolha, escolhemos a mais alta e mais dura!  Seriam 4 dias de expedição e compraríamos comidas para os dias e o gás para fogareiros no Mercado. Ainda restava ir ao local para o aluguel dos equipamentos técnicos para ascensão, como barraca 4 estações, sacos de dormir para -10º, piolets, botas duplas, crampons, pois comprar tudo isso estava bem longe dos pensamentos.

Para falar a verdade, nós não estávamos pensando muito. Ao chegar na loja de aluguel de equipamentos e após conversar com o atendente, ele passou mais algumas dicas sobre a montanha e já estávamos quase decidindo a não usar os crampons convencionais e comprar uns descartáveis. Pelas informações coletadas, haveria apenas uma travessia de um campo de neve que não era muito grande, e seria somente no último dia, o que nos faria carregar um peso extra para usar por pouco tempo. Por sorte, chegou um guia que havia acabado de descer o vulcão Tupungato. Tendo andado por aqueles arredores recentemente, nos disse que havia muita neve ainda naquela região e seria prudente levar os crampons convencionais e parar com a estapafúrdia ideia (e mão de vaquice) de usar os descartáveis. Na verdade, se ele soubesse nosso grau de experiência, teria falado que o prudente era sairmos dali, encher a cara e comer empanadas.

Pois bem, trouxeram nossos equipos que estavam listados (barraca 4 estações, sacos de dormir para -10º C, piolets, botas duplas, crampons e mitones) o aluguel de tudo para 4 dias, daria cerca de 100 reais por por dia para cada.  Ainda tentaram nos convencer a levar bastões de caminhada, mas já estávamos no limite dos gastos (e no auge da mão de vaquice).  Depois de muito relutar chegamos a seguinte decisão:

- F$#$#% - se os bastões! Carregamos nas costas mesmo!

 Essa decisão certamente foi muito equivocada, concordaríamos depois da viagem.

Apesar de acharmos caro o aluguel, estava tudo bem porque seriam dias na montanha com bastante aventura, reflexão e todo aquele papo o qual tentamos justificar para nós mesmos o alto custo dessas aventuras. Falamos para o atendente que era um assalto pagaríamos, porém haveria outro problema. Deveríamos deixar uma caução equivalente a R$ 3000,00 para os equipamentos, em caso de danos ou extravio a estes. O pior é que era em dinheiro, e não em cartão (o que não adiantaria muito, pois a viagem já foi no limite do cartão). Deveríamos aí sim, desistir de tudo e partir para encher bastante a cara e comer bastante empanadas. Mas aí veio a ideia e que logo se transformou em uma frase, e que depois foi vista como má ideia:

 

- “Deixamos 500 reais e nossos passaportes como garantia”.

 

 O atendente pestanejou, falou com seu gerente e por fim aceitou nossa proposta. Dias depois, já na montanha pensamo: se nós morrêssemos eles não reaveriam o valor dos equipos, teriam somente 500 reais e nossos passaportes brasileiros com fotos estranhas como lembrança.

Colocamos os equipamentos nas mochilas cargueiras e saímos da loja, andando pelo centro de Santiago num calor de 30º C - já imaginando o sofrimento que seria carregar isso montanha acima - e fomos em direção ao mercado comprar os mantimentos. Já no fim do dia, lembrei que não tinha óculos escuros. E acabamos indo comprar óculos quase igual ao original nos ambulantes perto da Estação Central de Santiago. Fizemos nossa última refeição digna regada a bastante cerveja nos arredores, e partimos rumo ao Hostel para arrumar a mochila e partir cedo na madrugada seguinte.




Continua....

[1] Lugar de escalada Tradicional Fixa, situado na região do Cajon del Maipo.

 

[2] *terremoto: bebida típica chilena feita com fernet, vinho branco, sorvete e açúcar. Recomendo fortemente que não experimentem, se bêbados já estiverem. Ou sim!